Estive ontem, 11 de abril de 2024, participando da 5ª Reunião da COLFAC ALF/BHE, realizada pela Receita Federal, em um painel intitulado “Aduana por Elas” e debatendo ao lado de mulheres inspiradoras, o contencioso de perdimento e o Centro de Julgamento de Penalidades Aduaneiras (Cejul).
Primeiro, preciso registrar a alegria e compor esse painel, que abre espaço para o protagonismo feminino, no debate técnico e nas discussões relacionadas aos temas aduaneiros, o que é tão importante.
E, segundo, é preciso enfatizar a relevância do tema debatido.
Tenho entendido, cada vez mais, e com base na prática da advocacia aduaneira, que as discussões jurídicas e teóricas sobre os temas que trabalhamos são muito importantes, mas elas precisam, ao meu ver, ter sua justificativa na prática, visando sempre o aperfeiçoamento das operações, no dia a dia dos importadores e exportadores, bem como dos demais intervenientes da cadeia logística.
Entendo que o tema do CEJUL deve ser observado sob essa ótica.
Para além das discussões que o envolvem, relacionadas a sua legalidade e independência, bem como a seu atendimento ou não às disposições contidas na Convenção de Quioto Revisada (o que poderíamos debater, certamente), o CEJUL existe e está em atividade!
A necessidade de que houvesse a possibilidade de julgamento em segunda instância dos processos que discutiam a aplicação da pena de perdimento era urgente. Entendo, pois, que é mais produtivo passarmos a discutir como “ajustar” o CEJUL para que ele possa atingir os objetivos que demandaram sua criação, evitando a judicialização em massa (que já foi iniciada e, inclusive, com precedentes favoráveis aos contribuintes), e o encaminhamento desordenado de processos de perdimento para julgamento em segunda instância pelo CARF, gerando graves distorções, se ponderarmos a diferença de tratamento entre importadores que estão na pendencia de julgamento de idênticas ações, por autoridades e em ritos diversos.
Nesse viés, considerando que estamos tratando de processos que transcorrerão (ao menos em primeira instância) enquanto as mercadorias estão apreendidas, o foco do procedimento deve ser assegurar as garantias processuais às partes, e, ao mesmo tempo, garantir um rito e um transcurso célere para os processos. Ambos, garantia à ampla defesa e garantia de celeridade beneficiam a todos os envolvidos e asseguram, ao final, nos termos do que destaca a própria OMA, “… to prevent the perception of victimization by those affected by Customs decisions.”
Alguns pontos considero mais críticos, e entendo que deveriam ser foco de discussão, visando ajustes e alterações necessárias na legislação, são eles:
a. a inexistência de ordem de preferencia para as modalidades de intimação nos casos que envolvem a aplicação da penalidade de perdimento (art. 27-A, § 1º e 2º da Lei nº 14.651/2023) – não adianta que seja célere um processo que não oportuniza, verdadeiramente, a participação do interessado. A quem beneficia a celeridade nesse caso?
b. A possibilidade de sustentação oral apenas por meio de gravação de vídeo ou áudio. Garantir que o contribuinte e seus representantes sejam ouvidos é fundamental para assegurar o adequado julgamento das ações que envolvem perdimento e, via de regra, possuem tantos detalhes que podem impactar a decisão. O envio de um vídeo sequer assegura que ele será visto, a segurança quanto à condução do processo pode acabar sendo prejudicada.
c. A previsão de prazo de 90 dias para a emissão da decisão de primeira instância ou de despacho de diligência, no caso da Enaj, ou para a inclusão do processo em pauta ou proposta de diligência ou perícia, no caso das Câmaras Recursais. Tal prazo é demasiado extenso, em um modelo em que a busca por celeridade é utilizada como justificativa para suprimir relevantes garantias processuais. Imagine uma situação em que o julgador demore 90 dias para dar um despacho de diligência… até que essa diligencia seja deferida, realizada, analisada… quanto tempo ter-se-á que esperar pelo julgamento, com as mercadorias retidas? Isso, ainda, considerando que essas mercadorias podem estar retidas há meses, antes mesmo de se iniciar o processo, haja vista o fato de que o procedimento de combate a fraudes aduaneiras pode durar 120 dias, ou mais, caso haja várias intimações expedidas em seu curso, o que é comum de ocorrer. Considerando que o CEJUL está iniciando agora suas atividades, nem mesmo há um grande acervo de processos a justificar um prazo extenso. É uma oportunidade de se deliberar sobre prazos mais curtos de análise, que é o que este tipo de processo requer.
d. Previsão de destinação das mercadorias após decisão de primeira instância. Entende-se que essa previsão objetiva solucionar problema operacional de manutenção das mercadorias nos depósitos e armazéns da Receita Federal. No entanto, essa, em nosso entendimento, não é a melhor solução para o problema. Caso houvesse, de fato, julgamentos mais céleres, as mercadorias não ficariam por tanto tempo retidas sem destinação e nem mesmo seria necessário sacrificar o objeto principal da discussão, o motivo pelo qual o processo foi instaurado, promovendo a destinação antecipada de mercadorias que ainda não foram definitivamente reconhecidas como fruto de operação irregular.
e. Por fim, entendo que seria importante pensar uma forma de compatibilizar o julgamento de processos distintos sobre temas correlatos. Me refiro ao processo que se instaura, muitas vezes concomitantemente ao de perdimento, aplicando a multa de 10% por cessão de nome ao importador, nos casos de interposição fraudulenta. São processos que se referem a uma mesma operação, que não poderiam jamais ter decisões conflitantes, mas que possuem ritos diversos e são julgados por órgãos diferentes.
Se a possibilidade de que os processos de perdimento fossem julgados pelo CARF, ou um órgão com composição paritária, foi descartada ao argumento de que era mais importante privilegiar a celeridade, esses pontos destacados acima, ao meu ver, podem e devem ser repensados para que se atinja o objetivo inicial.