Joana de Araújo Silva Guerra
Advogada – Equipe Cível
No início de maio a ANPD – Autoridade Nacional de Proteção de Dados completou 6 meses de existência, em um cenário no qual se evidencia cada vez mais a importância da construção de um ambiente de respeito aos direitos dos titulares dos dados pessoais. Os casos de vazamento de dados, ataque de hackers e outros incidentes de segurança não são mais notícias isoladas, existindo diversos exemplos amplamente divulgados na mídia, divulgação esta que foi potencializada pela maior cobertura midiática também da LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados.
À medida que a LGPD foi se tornando um assunto mais comentado, abordou-se com mais afinco o debate sobre tratamento de dados pessoais no Brasil, tema este que era muito incipiente e tratado de forma esparsa em dispositivos legais. E a ANPD, autoridade responsável pela regulamentação e fiscalização da lei, deixa evidente tal fato, uma vez que, desde sua implementação, recebeu aproximadamente 1.090 demandas, sendo as principais delas relacionadas a dúvidas e consultas sobre a LGPD, manifestações de ouvidoria, pedidos de acesso à informação, reclamações de titulares contra controladores de dados/agentes de tratamento e notificações de incidentes de segurança.
Um dos temas que foi muito questionado perante a ANPD, a ponto de elaborar um documento de orientações, foi a mais recente publicação da Nova Política de Privacidade do Whatsapp. O aplicativo, já extensamente utilizado, teve intensificado o seu uso durante a pandemia de Covid-19, e hoje é quase inimaginável que alguém não faça uso da plataforma ao menos uma vez por dia, seja para trabalho ou lazer. Um estudo da ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing, divulgado pela CNN Brasil em agosto de 2020, apontou que o Whatsapp foi o aplicativo mais usado durante a rotina do isolamento social, seguido do Instagram e do Youtube.
Outro, estudo, feito pela Decode, empresa de pesquisa sobre comportamento digital e mercado, apontou que o Whatsapp teve um crescimento de incríveis 97% em seu uso no Brasil durante a pandemia, somando até julho de 2020 mais de 1,4 bilhão de acessos aqui.
A junção dos fatores supra mencionados pode ser uma justificativa para o burburinho causado quando da divulgação da Nova Política de Privacidade do aplicativo, em janeiro de 2021. Devo aceitar ou não? O que poderão fazer com meus dados? E caso eu não aceite, posso continuar a usar o aplicativo com todas as suas funções? Para que o Whatsapp quer meus dados? Essas foram algumas das perguntas que surgiram, dentre várias outras. E a repercussão não foi apenas nacional, ultrapassando as fronteiras.
Em suma, a Nova Política previa o compartilhamento de dados pessoais dos usuários do WhatsApp com as empresas do grupo econômico do Facebook, do qual é parte integrante. Foi tão comentada que a empresa optou por prorrogar o prazo para a entrada em vigor das alterações para o dia 15 de maio de 2021, sob a justificativa de que forneceriam informações adicionais sobre como a privacidade e a segurança funcionam no aplicativo, dando tempo para que os usuários estivessem cientes das atualizações e revissem os novos termos.
E esse procedimento foi acompanhado pela ANPD, que se reuniu com representantes da empresa e com outros órgãos públicos, como o CADE e o Ministério Público Federal, instaurando processo administrativo e apresentando recomendações visando ao aprimoramento da Política de Privacidade e à proteção aos direitos dos titulares.
O Whatsapp se comprometeu a colaborar com a ANPD e demais órgãos, informando que, ainda que o usuário não tenha concordado com as alterações da Nova Política, seu uso não será imediatamente prejudicado, mas a partir de um prazo de 3 meses (prazo este até então negociado com a ANPD), alguns recursos poderão ser limitados.
O caso permanece sob a avaliação da ANPD e dos demais órgãos competentes, inclusive à luz da recomendação expedida à empresa e, caso constatada eventual infração à LGPD, esta poderá ser objeto de sanção por parte da ANPD, após a entrada em vigor dos dispositivos legais correspondentes, o que deve ocorrer em agosto de 2021, sem prejuízo de outras medidas judiciais e administrativas cabíveis.