Matheus Carvalho Pacheco
Advogado – Área Tributária
De acordo com o inciso II, do artigo 3º, das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, as aquisições no mercado interno, de bens e serviços utilizados como insumos na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, em geral, geram direito a crédito de PIS e COFINS.
Todavia, por mais que se possa esperar da amplitude deste inciso, os trechos limitam a definição de insumos à prestação de serviços e à produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda. Na atividade puramente comercial, portanto, a princípio, não haveria custos ou despesas a serem enquadrados nesta categoria. Por mais ampla que possa ser a definição de insumos, ela nem sempre seria compatível com a atividade comercial, seguindo a corrente legalista.
Logo, despesas com propaganda ou comissões de venda, por exemplo, não permitiriam o aproveitamento de créditos, pois não estão inseridos nos incisos do artigo 3º mencionado acima, e nem mesmo na presente definição de insumos. Da mesma forma, muitas outras despesas da atividade comercial, como depreciação de equipamentos ou despesas administrativas, também ficariam de fora das possibilidades de aproveitamento de créditos por aqueles que, a exemplo do Fisco, seguem a corrente legalista.
Entretanto, em 2018, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, em sede dos recursos repetitivos, o Recurso Especial nº 1.221.170/PR, fixou as seguintes teses[1]:
- É ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF nº 247/2002 e nº 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003; e
- O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item (bem ou serviço) para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.
Nos termos do entendimento vinculante do STJ, o conceito de insumo deve ser analisado de forma casuística, e, por isso, é possível dizer que não existe um conceito taxativo e “fechado”, mas tão somente um conceito que define a necessidade de se observar a relevância dos custos e despesas necessárias ao ganho de receitas oriundas da venda de bens e serviços relacionados à atividade econômica principal de acordo com o objeto social da empresa. Veja, como exemplo, importante trecho retirado do voto da Ministra Regina Helena Costa analisa o caso concreto em discussão no REsp 1.221.170/PR:
“No caso em tela, observo tratar-se de empresa do ramo alimentício, com atuação específica na avicultura (fl. 04e).
Assim, pretende sejam considerados insumos, para efeito de creditamento no regime de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS ao qual se sujeitam, os valores relativos às despesas efetuadas com “Custos Gerais de Fabricação”, englobando água, combustíveis e lubrificantes , veículos , materiais e exames laboratoriais , equipamentos de proteção individual – EPI, materiais de limpeza , seguros , viagens e conduções , “Despesas Gerais Comerciais ” (“Despesas com Vendas”, incluindo combustíveis, comissão de vendas, gastos com veículos, viagens, conduções, fretes, prestação de serviços – PJ, promoções e propagandas, seguros, telefone e comissões) (fls. 25/29e).
Como visto, consoante os critérios da essencialidade e relevância, acolhidos pela jurisprudência desta Corte e adotados pelo CARF, há que se analisar, casuisticamente, se o que se pretende seja considerado insumo é essencial ou de relevância para o processo produtivo ou à atividade desenvolvida pela empresa.
Observando-se essas premissas, penso que as despesas referentes ao pagamento de despesas com água, combustíveis e lubrificantes, materiais e exames laboratoriais, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual – EPI, em princípio, inserem-se no conceito de insumo para efeito de creditamento, assim compreendido num sistema de não-cumulatividade cuja técnica há de ser a de “base sobre base”.” (destaque nosso).
Não obstante o julgamento do STJ, a Receita Federal do Brasil vem se manifestando, através de Soluções de Consultas (como a Solução de Consulta COSIT nº 34/2021, Solução de Consulta COSIT nº 153/2021, dentre várias outras) e Pareceres Normativos (como o Parecer Normativo nº 5/2018), em quais hipóteses o contribuinte pode exercer o seu direito creditório em razão dos seus custos e despesas e a essencialidade da sua atividade econômica no que tange ao faturamento auferido, com a finalidade de fazer jus à aplicabilidade do princípio da não cumulatividade.
A posição do Fisco é claramente contrária ao contribuinte, como é o caso da Solução de Consulta COSIT nº 248/2019, em que o contribuinte questiona sobre os créditos da comissão e a Receita Federal responde que:
Trecho da Solução de Consulta COSIT nº 248/2019
“Somente há insumos geradores de créditos da não cumulatividade da Cofins nas atividades de produção de bens destinados à venda e de prestação de serviços a terceiros. Para fins de apuração de créditos das contribuições, não há insumos na atividade de revenda de bens, notadamente porque a esta atividade foi reservada a apuração de créditos em relação aos bens adquiridos para revenda.”
Além disso, as manifestações da Receita Federal provocam, em muitos casos, um certo desequilíbrio nas relações econômicas, pois muitos contribuintes alegam exercer a mesma atividade que outras empresas, que tem o direito ao crédito, mas têm o seu direito negado.
Dessa forma, muitos contribuintes, principalmente do setor comercial, se veem obrigados a buscar o Poder Judiciário para demonstrar a relevância de sua atividade econômica à luz de determinada norma, a fim de se valerem do benefício constitucional do princípio da não cumulatividade, com base no entendimento consolidado do STJ.
Sendo assim, é defensável a interpretação no sentido de que os bens essenciais e relevantes para a manutenção do objeto social da empresa sejam classificados como insumos.
De qualquer forma, alertamos que não há como afastar a possibilidade da Receita Federal discordar de tal posicionamento e autuar o contribuinte. Nessa situação, e conforme exposto acima, há fortes argumentos para discussão administrativa e judicial.
Por fim, importante ressaltar que, em recentíssima decisão proferida no dia 28/11/2022 nos autos do Recurso Extraordinário – RE nº 841.979 (Tema de Repercussão Geral nº 756), o Supremo Tribunal Federal apreciou matéria acerca da constitucionalidade dos dispositivos que normatizam a não cumulatividade do PIS e da COFINS consignada nas Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003 à luz do artigo 195, §12, da Constituição Federal de 1988, e decidiu, dentre várias outras questões, ser “infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a discussão sobre a expressão insumo presente no art. 3º, II, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 e sobre a compatibilidade, com essas leis, das IN SRF nºs 247/02 (considerada a atualização pela IN SRF nº 358/03) e 404/04.”
O resultado do referido julgamento consolida a competência do Superior Tribunal de Justiça para tratar sobre os temas envolvendo o conceito de insumos, o que traz ainda mais segurança jurídica aos contribuintes que venham a judicializar a questão, nos termos acima evidenciados.
[1] Por ser firmado em recurso repetitivo, este entendimento está sendo replicado de forma consolidada pelos Tribunais Regionais Federais.