Habilitação no Siscomex (Radar): mudanças trazidas pela IN RFB nº 1984/2020 e a controversa limitação quantitativa passível de judicialização
Vitória Carolina Tavares e Soares
Advogada – Equipe Aduaneira
A habilitação no Siscomex (RADAR) é o primeiro requisito necessário para atuação regular no comércio exterior. Para concretização de operações de importação e exportação, o interessado deverá providenciar, junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil, sua habilitação para operação no sistema.
Esse sistema que operacionaliza o comércio exterior é o Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), e a habilitação tem por objetivo aperfeiçoar os controles aduaneiros e coibir a atuação fraudulenta de interpostas pessoas no comércio exterior, práticas que dificultam a identificação da origem dos recursos aplicados nas operações, bem como a identificação dos responsáveis por infração contra a legislação aduaneira e tributária.
A habilitação, portanto, deve ser efetuada previamente à prática de quaisquer atos nos sistemas de comércio exterior e de atividades relacionadas com o despacho aduaneiro de mercadorias. Vale ressaltar que é uma autorização concedida em caráter precário, sujeitando-se à revisão a qualquer tempo por parte da Receita Federal do Brasil.
A habilitação no Siscomex, atualmente, está regulamentada pela Instrução Normativa RFB nº 1984 de 2020 e pela Portaria COANA nº 72 de 2020, que é a norma que dispõe, de forma complementar, sobre os procedimentos de habilitação de declarantes de mercadorias para atuarem no comércio exterior e de pessoas físicas responsáveis pela prática de atos nos sistemas de comércio exterior em seu nome.
Conforme previsão legal, consideram-se como declarantes de mercadorias os importadores, os exportadores, os adquirentes de mercadorias importadas por sua conta e ordem, os encomendantes de mercadorias importadas e as pessoas jurídicas sediadas na Zona Franca de Manaus (ZFM) que promovem a internação de mercadorias para o restante do território nacional.
Poderão ser enquadrados como declarantes as pessoas jurídicas de direito privado, órgãos da administração pública direta ou autárquica, federal, estadual ou municipal, as missões diplomáticas ou repartições consulares de país estrangeiro ou as representações de órgãos internacionais e as pessoas físicas que atuarem em seus próprios nomes.
A habilitação deverá sempre ser requerida, primeiramente, no Portal Habilita, através de um requerimento simplificado que levará em consideração a estimativa da capacidade financeira do declarante de mercadorias, os recolhimentos constantes das bases de dados da Receita dos tributos e contribuições que tenham sido efetuados no ano corrente e nos quatro anos-calendário anteriores à data de protocolização do requerimento de habilitação.
Caso a habilitação não seja concedida, ou concedida em limite inferior ao pretendido, deverá ser formalizado novo requerimento por meio de dossiê digital de atendimento no e-CAC.
Os requisitos formais exigidos pela legislação para habilitação no Siscomex são: Adesão ao Domicílio Tributário Eletrônico (DTE); CNPJ em situação cadastral “ativa”; CPF de todas as pessoas físicas integrantes do Quadro de Sócios e Administradores em situação cadastral “regular” ou “pendente de regularização”; Capacidade operacional necessária à realização de seu objeto; Capacidade econômica e financeira para atuar no comércio exterior.
Em razão do requisito da capacidade econômica e financeira, existem modalidades de habilitação que impõem limites à atuação da pessoa jurídica habilitada para operar no comércio exterior.
A antiga Instrução Normativa que disciplinava a matéria, a IN nº 1.603/2015, vigente até novembro de 2020, trazia três modalidades de habilitação de empresas com base exclusiva em sua estimada capacidade financeira.
Em primeiro lugar, havia a modalidade “expressa”, para empresas que pretendessem realizar operações que não ultrapassassem o montante de US$ 50.000,00 (cinquenta mil dólares) por semestre.
Em segundo lugar, a modalidade “limitada”, conferida às empresas que comprovassem capacidade financeira superior a US$ 50.000,00 (cinquenta mil dólares) e igual ou inferior a US$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil dólares).
Por fim, a modalidade “ilimitada” permitia habilitação daquelas pessoas jurídicas que comprovassem capacidade financeira para realizar operações de importação cuja soma dos valores ultrapassasse US$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil dólares).
Todavia, no fim do ano de 2020, precisamente em 01/12/2020, entrou em vigor a Instrução Normativa RFB nº 1984/2020, que trouxe algumas modificações nos conceitos e limites acima dispostos, além de disciplinar novos requisitos de habilitação, tudo no intuito de simplificar e agilizar a atuação no comércio exterior.
Inicialmente, vale pontuar como exemplos dessa simplificação: a habilitação poderá ser concedida às pessoas jurídicas, de forma automática, por simples requerimento pelo Portal Habilita; pessoas físicas passam a ser dispensadas de habilitação quando realizarem operações de comércio exterior em seus próprios nomes, desde que a operação seja de bens destinados à realização de suas atividades profissionais, inclusive na condição de produtor rural, artesão, artista ou assemelhado, para seu uso e consumo próprio, e para artigos de coleções pessoais.
Com relação às modalidades de habilitação, importante ponto de mudança na nova norma, passa-se a compreender a modalidade “expressa” como uma modalidade que, diferentemente das demais, não está vinculada a limite de valor de importação, mas contempla uma delimitação por tipo de empresa que pode se enquadrar. Será deferida às empresas públicas, sociedades de economia mista e pessoa jurídica constituída sob a forma de sociedade anônima de capital aberto, com ações negociadas em bolsa de valores ou no mercado de balcão, e suas subsidiárias integrais.
Já a modalidade “limitada” está atrelada ao limite de US$ 50.000,00 (cinquenta mil dólares) ou US$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil dólares), conforme capacidade financeira comprovada pela empresa, e a modalidade “ilimitada” continua sendo a que permite realizar operações de importação em valor superior ao estimado pela modalidade limitada (superior a cento e cinquenta mil dólares), sem limitação.
Por fim, vale mencionar que a modalidade de habilitação inicialmente concedida poderá ser objeto de pedido de revisão, caso o declarante comprove a existência de recursos financeiros suficientes para a realização de suas operações de comércio exterior.
A limitação quantitativa para operar no comércio exterior é objeto de inúmeras controvérsias e discordâncias pelos importadores, que, muitas vezes, embora comprovada a sua capacidade econômico-financeira, viram seu pleito de habilitação ou revisão de limite indeferido, ou até mesmo reduzido pela Receita Federal do Brasil, fato que impede a concretização de operações de importação muitas vezes já em trânsito para o Brasil.
Partindo do pressuposto que o aspecto financeiro nada tem a ver com o controle aduaneiro e a regularidade das operações, a judicialização dessa questão é medida viável ao importador, que vem obtendo êxito nas recentes e favoráveis decisões proferidas pelo judiciário, desde que seja comprovada, de forma inequívoca, a livre e lícita disponibilidade financeira da empresa, conjuntamente com a ausência de comprovação de fraudes aduaneiras pela Receita Federal do Brasil.
Nesse sentido, o entendimento que se vê reprisado no âmbito dos Tribunais Regionais Federais e de suas Seções Judiciárias caminha no sentido de que a limitação dentro de um cenário favorável à empresa atenta contra princípios constitucionais basilares do nosso ordenamento jurídico, como o da livre iniciativa, razoabilidade, proporcionalidade e legalidade, validando o argumento de defesa de inexistência de previsão legal expressa que determine que a empresa fique impedida de atuar em seu ramo negocial, em razão da modalidade de Radar que lhe foi concedida.
Além disso, conforme destacado acima, é possível que, quando do requerimento prévio no Portal Habilita, o limite de Radar seja automaticamente reduzido. Sobre isso, o judiciário também já se posicionou favoravelmente ao importador, considerando essa prática como ilegal e violadora dos princípios da motivação, contraditório e ampla defesa, sendo imprescindível a prévia intimação do importador em procedimento próprio para apresentar sua defesa.
Portanto, embora a nova IN RFB nº 1984/2020 tenha trazido consigo o intuito de simplificação e agilidade para a prática do comércio exterior, dispensando a habilitação das pessoas físicas, por exemplo, verifica-se que o limite de Radar ainda permanece em sua estrutura, embora seja inteiramente possível discutir judicialmente a limitação quantitativa imposta pela Receita Federal do Brasil quando a empresa conseguir comprovar, de forma inequívoca, sua lícita e disponível capacidade financeira para custear as operações negociadas, e não houver nenhuma comprovação de fraude na operação.