Recentemente, o juízo da 2ª Vara Federal de Itajaí, Santa Catarina, proferiu sentença favorável ao importador, assegurando-lhe o direito à segunda instância administrativa em processo que visa à aplicação da pena de perdimento a mercadorias apreendidas no curso de procedimento especial de controle aduaneiro na importação.
Via de regra, as penas de perdimento aplicadas pela Receita Federal do Brasil são apuradas por meio de processo fiscal, que contam com instância única de julgamento, nos termos do art. 27, §4º, do Decreto-Lei nº 1.455/1966. Isso significa que, recebido o Auto de Infração e Termo de Guarda e Apreensão Fiscal que indique a determinação de aplicação de pena de perdimento a mercadorias objeto de fiscalização aduaneira, em que se tenha apurado a ocorrência de alguma infração que configure dano ao Erário, ao importador só é concedida a chance de se defender das alegações do Fisco mediante a apresentação de Impugnação ao Auto de Infração, analisada pela Inspetoria da Receita Federal do Brasil da jurisdição em que a mercadoria se encontra, em instância única.
Portanto, apresentada Impugnação, caso a Receita Federal do Brasil entenda pela manutenção da pena de perdimento, ao importador não é concedida a possibilidade de apresentar Recurso a órgão administrativo superior.
No caso, um importador que teve contra si lavrado Auto de Infração e Termo de Guarda e Apreensão Fiscal determinando a aplicação da pena de perdimento a suas mercadorias impetrou o mandando de segurança requerendo que o processo fiscal decorrente da autuação fosse processado sob o rito do Decreto nº 70.235/1972, que institui a possibilidade de revisão de decisões administrativas por uma Segunda Instância Julgadora.
Na sentença, o juiz, que inicialmente havia indeferido o pedido do importador, reviu seu posicionamento para determinar a possibilidade de revisão da decisão administrativa pela segunda instância julgadora que, no caso, é o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF.
A sentença foi fundamentada no fato de que, em 13/03/2020, entrou em vigor o Decreto nº 10.276/2020, promulgando o texto do Protocolo de Revisão da Convenção Internacional para a Simplificação e Harmonização dos Regimes Aduaneiros – Convenção de Quioto, o qual prevê expressamente o direito de recurso para autoridade independente da administração aduaneira, quando recurso interposto em Primeira Instância perante a Autoridade Aduaneira for indeferido.
Nesse sentido, o juiz assinalou que o tratado internacional em questão, recepcionado no plano interno, entrou em vigor juntamente com a publicação do Decreto nº 10.276/2020 e que, além disso, o recurso administrativo previsto no Decreto nº 70.235/1972 é suficiente a garantir a efetividade do que determina o texto da Convenção de Quioto, no tocante à necessidade de se conceder o direito ao recurso administrativo em matéria aduaneira.
As revisões à Convenção de Quioto devem assegurar que os princípios fundamentais de simplificação e harmonização dos regimes aduaneiros e das práticas aduaneiras sejam vinculantes para as Partes Contratantes; permitir às Administrações Aduaneiras dotar-se de procedimentos apoiados em métodos de controle apropriados e eficazes e permitir o alcance a um elevado grau de simplificação e harmonização dos regimes aduaneiros e das práticas aduaneiras – o que constitui um dos objetivos essenciais do Conselho de Cooperação Aduaneira – contribuindo assim eficazmente para o desenvolvimento do comércio internacional.
Assim, tendo em vista que o Brasil aderiu ao Protocolo de Revisão da Convenção, tendo depositado, junto à Organização Mundial de Aduanas, em 05/09/2019, o instrumento de adesão, e que este entrou em vigor para a República Federativa do Brasil, no plano jurídico externo em 5 de dezembro de 2019, a publicação do Decreto nº 10.276/2020, no plano interno, incorpora em nosso ordenamento o texto do Protocolo de Revisão da Convenção Internacional para a Simplificação e Harmonização dos Regimes Aduaneiros – Convenção de Quioto.
Há de se ressaltar, por fim, que a Receita Federal do Brasil recorreu da sentença proferida no mandado de segurança, motivo pelo qual a decisão ainda não produz os efeitos práticos determinados em seu dispositivo. No entanto, consideramos se tratar de importantíssimo precedente que joga luz à alterações trazidas pela texto do Protocolo de Revisão da Convenção de Quioto, destacando a necessidade de o ordenamento jurídico brasileiro se adequar às suas previsões, sobretudo no tocante à controversa instância única administrativa da pena de perdimento de mercadorias.