Elisângela Oliveira (Sócia da HLL &PIERI Advogados – área tributária)
André Pedrosa (Sócio da HLL & PIERI Advogados – área empresarial)
Em virtude das alterações promovidas pela EC nº 132/2023, Reforma Tributária, é importante destacar que não houve apenas substancial mudança na tributação sobre o consumo – com o advento do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) sob o formato dual, em substituição gradual de cinco tributos vigentes pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Houve também modificações nos dispositivos constitucionais que alcançam outros impostos incidentes sobre o patrimônio, como é caso do ITCMD.
O ITCMD – Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, que é de competência dos Estados e do DF, incide sobre a transferência de propriedade de bens móveis e imóveis, em decorrência da sucessão legítima ou testamentária (falecimento do titular) ou da cessão gratuita (doação). Como é sabido, o ITCMD é também um dos principais custos diretos nos planejamentos patrimoniais e sucessórios, em regra, constituídos via Holdings[1] Patrimoniais. E com as recentes alterações, deu o tom de relevância que o tema carece, conforme veremos.
Isso porque, com a aprovação da reforma, o imposto passará a ter, obrigatoriamente, alíquotas progressivas. Significando que, na prática, a alíquota será maior de acordo com o valor do patrimônio, característica dos impostos patrimoniais.
A variação das alíquotas entre 2% a 8% já era prevista no país, mas alguns entes da federação, como exemplo, Minas Gerais (5%), São Paulo (4%), Espírito Santo (4%) e Paraná (4%), optaram por alíquotas fixas. Com a reforma, estão obrigados a aprovarem novas legislações para a cobrança progressiva, neste mesmo patamar, entre 2% a 8%. Aqui, é importante ressaltar que tramita perante o Senado Federal o Projeto de Resolução nº 57/2019 que prevê dobrar a alíquota máxima de 8% para 16% do referido imposto. Vê-se, assim, que embora cada ente da federação mantenha a sua autonomia para definir as alíquotas máximas e mínimas, principalmente para aqueles que atualmente adotam alíquotas fixas, a transição para o modelo progressivo poderá resultar em um aumento do imposto em comparação com a prática atual.
Outra importante alteração do ITCMD diz respeito ao local em que o imposto é devido. Atualmente, o ITCMD pode ser recolhido no local onde o inventário é processado ou onde reside o doador. Com a reforma, a arrecadação do imposto será centralizada no Estado de residência da pessoa falecida. Essa modificação tem como objetivo reduzir as oportunidades de planejamento tributário vez que havia a transferência do processo de inventário para Estados com alíquotas mais baixas.
No tocante ao imposto nas transmissões gratuitas de bens e direitos do exterior, a EC nº 32/2023 reafirma a necessidade de Lei Complementar[2] e já incluiu nas disposições transitórias sobre doações ou heranças provenientes do exterior, a seguinte predisposição:
- ao Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal;
- se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal;
- relativamente aos bens do de cujus, ainda que situados no exterior, ao Estado onde era domiciliado, ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o sucessor ou legatário, ou ao Distrito Federal.
Diferentemente dos tributos incidentes sobre o consumo (IBS e CBS) tratados na EC nº 132/23, as novas regras para o ITCMD não terão prazo de transição, pois em seu artigo 23, inciso III, a Emenda dispôs que a alteração do ITCMD entrará em vigor na data da publicação de promulgação, ou seja, a partir de 20 de dezembro de 2023.
Contudo, as alterações realizadas pela EC nº 132/23 dependem, para sua plena eficácia, de regulamentação diretamente por lei estadual específica, não podendo o Estado ou o Distrito Federal instituir ou majorar tributos sem lei que o estabeleça, de modo que as modificações no ITCMD dependerão da edição de lei estadual ou distrital específica (artigos 150, I, da Constituição, e 9º, I, do CTN). E como é sabido, a Constituição veda a cobrança de tributo que tenha sido instituído ou majorado no mesmo exercício da publicação da lei (artigo 150, III, “b”, da CF/1988), além da necessidade de observância ao prazo de 90 dias da publicação da aludida lei (artigo 150, III, “c”, da CF/1988).
No que tange aos Planejamentos Sucessórios e Tributários, nos deparamos frequentemente, com a figura da Holding Patrimonial que em síntese, trata-se da constituição de uma sociedade para ser a proprietária de determinado patrimônio.
A Holding Patrimonial Familiar não é um tipo específico de sociedade, é na realidade uma estruturação societária construída no âmbito de uma determinada família para atender ao planejamento desenvolvido por seus membros, considerando desafios como organização do patrimônio, administração de bens, otimização fiscal e sucessória.
No campo sucessório, as Holdings Patrimoniais são ferramentas jurídicas já reconhecidas pelo mercado, vez que possibilitam a transferência de patrimônio imobiliário de uma pessoa física para o capital social de uma pessoa jurídica, e a cessão não onerosa (doação) das cotas sociais equivalentes para os herdeiros sob condições previamente estipuladas pelo cedente (incomunicabilidade, impenhorabilidade, inalienabilidade, reversibilidade) com o fim de preservar o patrimônio construído no universo familiar, evitando-se processos judiciais de inventários, que quase sempre são custosos e demorados.
Mas não é só. O planejamento sucessório via holding, via de regra, apresenta ganhos tributários significativos, já que, por exemplo, a tributação sobre a renda gerada pelo aluguel de um imóvel de propriedade de uma pessoa jurídica (holding) se submete à carga tributária de 11% a 14%, enquanto essa mesma renda gerada através da locação de um imóvel de propriedade de uma pessoa física gerará para essa pessoa física uma carga tributária de 27,5%.
Portanto, o planejamento sucessório via Holding Patrimonial Familiar é uma forma segura, efetiva e com efeitos tributários significativos.
As alterações promovidas pela EC nº 132/2023, principalmente no tocante ao aumento progressivo obrigatório das alíquotas do ITCMD, despertou ainda mais, a necessidade dos planejamentos sucessórios pelos grupos familiares.
Observamos que o perfil dos clientes que buscam esse tipo de planejamento lícito e sustentável é bem variado, comportando desde pequenos núcleos familiares sem atividade empresária, até grandes grupos familiares com atividades empresariais.
Não restam dúvidas de que o momento é propício e oportuno para que haja o direcionamento da atenção na preservação do patrimônio familiar construído, já que existe uma forte tendência para a majoração da tributação sobre a herança.
[1] Holding é palavra derivada do termo to hold, em inglês, e que traduz-se por segurar, deter, sustentar, entre outras ideias afins.
[2] STF ADO 67