Artigo de Fernando Pieri Leonardo para o Conjur
As zonas de processamento de exportação tiveram um novo impulso com as publicações, em 5 de junho, da Resolução CZPE/MDIC no 95/2025 [1], em 27 de junho, da IN RFB no 2.269/2025 [2], e, em 21 de julho, da MP no 1.307/2025. [3] A Resolução da CZPE/MDIC no 95/2025 atendeu à determinação do §6º do artigo 21-C da Lei no 11.508/2007 (Lei das ZPEs), com a redação que lhe foi dada pela Lei no 14.184/2021, e definiu os serviços passíveis de serem realizados por empresas exclusivamente prestadoras de serviços para exportação com os benefícios do regime aplicável às ZPEs.
Essa possibilidade, de uma empresa exclusivamente prestadora de serviços para exportação, é uma das mudanças do marco legal da ZPE ocorrida em 2021, através da Lei no 14.184/2021. Ela incluiu o artigo 21-C no texto da Lei no 11.508/2007, deixando a cargo do Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE) a competência para definir os serviços de acordo com a sua NBS. A lista ora publicada inclui 70 serviços que podem ser distribuídos em seis grandes grupos: (1) informática/tecnologia da informação (TI), (2) engenharia, (3) pesquisa e desenvolvimento (P&D), (4) telecomunicações/internet, (5) design/desenho industrial e (6) outros serviços técnicos.
Antes de analisarmos a IN RFB no 2.269/2025, que regulou os requisitos e condições para fruição dos benefícios fiscais para tais serviços, e a MP no 1.307/2025, é oportuno recordarmos algumas alterações relevantes na Lei das ZPEs através da Lei no 14.184/2021. Dentre elas, destacaram-se: (a) a extinção do compromisso mínimo de exportação (artigo 18); (b) a ampliação do escopo das ZPEs para também abarcar a exportação de serviços vinculados à industrialização das mercadorias (artigo 21-A); (c) a possibilidade de entidades privadas apresentarem propostas de criação de novas zonas (artigo 2º, caput); (d) a permissão para exportação através de intermediação de empresa comercial exportadora (artigo 6º-E); (e) a possibilidade de a empresa permanecer na área da ZPE ainda que não fosse mais beneficiária do respectivo regime jurídico (artigo 8º, §3º); (f) a permissão para o estabelecimento de filiais fora da zona para atividades gerenciais, administrativas ou técnicas (artigo 9º), (g) a área da ZPE poder ser descontínua, limitada à distância de 30 km; (h) o alfandegamento ficar restrito a área de despacho aduaneiro, e não mais de toda a área da ZPE. [4]
A extinção do compromisso mínimo de exportação suscitou descontentamento, perante o STF, quanto à sua constitucionalidade. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no 7.174, movida pelo partido Republicanos, questionou a forma e o conteúdo da alteração. Segundo o autor da ação, teria havido ofensa ao devido processo legislativo por supostamente ter corrido “contrabando legislativo”, com uma inclusão de tema e deliberação alheia à matéria da MP, e, no mérito, ofensa ao princípio da isonomia e da livre concorrência.
A ADI no 7.174 teve a sessão de julgamento realizada em dezembro de 2024, com decisão unânime, sob a relatoria do ministro Nunes Marques, de inexistência de qualquer vício formal ou material. Nos termos do voto do ministro relator, ocorreria “contrabando legislativo” se não houvesse nenhuma pertinência temática com a matéria da MP, o que não foi o caso.
No aspecto material, ele destacou que as alterações promovidas no marco legal da ZPE tiveram o objetivo de modernizá-la e inseri-la em padrões internacionais, visando trazer efetiva atratividade para o regime, novos investimentos, permitindo a concretização dos seus objetivos de desenvolvimento socioeconômico do país, sua instalação em regiões menos desenvolvidas, com redução das desigualdades regionais, aumento das exportações e geração de empregos.
Destacou o uso da ZPE em todo o mundo e a sua importância para o desenvolvimento da economia dos países que as têm consolidadas. [5] Merece registro anotação, nos termos dos votos dos ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes, de que o não pagamento dos tributos na importação, ou aquisição no mercado interno, para produção de mercadorias e sua destinação ao mercado interno já teriam mecanismos de controle na própria legislação, inclusive com previsão de que, nesses casos, os tributos suspensos deveriam ser recolhidos pela empresa beneficiária do regime da ZPE com acréscimos moratórios desde a data da ocorrência dos respectivos fatos geradores (art. 6º-C, Lei no 11.508/2007).
Superada essa discussão, trazendo indispensável segurança jurídica tão necessária à avaliação de investimentos, mormente de vulto e longo prazo, como é o caso do projetos para instalação em ZPEs, sobreveio a ora em comento regulação do artigo 21-C que trata da ZPE de serviços.
O fato é que a decisão do STF e as novas normas regulamentando a ZPE de serviços surgem em um contexto batizado de “Nova ZPE”. O termo foi utilizado em apresentação feita pelo CZPE [6], em 02 de julho de 2025, em que foram destacadas deliberações de abril de 2024, a saber: recomposição da equipe técnica da Secretaria Executiva do CZPE; retomada de realização, da frequência trimestral e do caráter substantivo das reuniões do CZPE; redução do estoque de projetos para análise e do tempo de resposta aos interessados; e gerar resultados efetivos para a política de ZPE.
No exercício das atividades privadas, já tivemos a oportunidade de participar de reuniões sobre projetos sob análise da Diretoria do CZPE e pudemos constatar a proatividade e a efetividade das medidas deliberadas no ano passado. Como resultado, conforme apresentado, após 10 meses de paralização, as reuniões trimestrais e com caráter substantivo e deliberativo do CZPE foram retomadas, reduzindo o estoque do ano passado de 56 projetos para 20 projetos em análise, dentre eles 6 novos projetos empresarias em ZPE já criadas e 7 pedidos de criação de novas ZPE.
No panorama atual, há 12 ZPE autorizadas, sendo 4 ativas (Pecém, CE; Parnaíba, PI; Cárceres, MT; Uberaba, MG) e 8 aguardando obras (Açu, RJ; Aracruz, ES; Araguaína, TO; Bacabeira, MA; Bataguassu, MS; Imbituba, SC; Senador Guiomard, AC; Suape, PE).
IN RFB e a ZPE de serviços
Na esteira da lista de serviços definidas pela CZPE, a Receita Federal publicou a IN RFB no 2.269/2025. Para fins de fruição dos benefícios, a empresa deverá apresentar projeto ao CZPE (artigo 2º), deve ser exclusivamente exportadora de serviços, não pode configurar uma mera transferência de atividade já instalada em área externa e está vedada de auferir receita com serviços destinados ao mercado interno (artigo 3º).
A empresa deverá ter regularidade fiscal e submeter seu pedido também à aprovação da RFB. Os investimentos em máquinas, equipamentos, instrumentos e aparelhos, novos ou usados, para incorporação ao ativo imobilizado e destinados à prestação de serviços, via importação ou aquisições no mercado interno, suspendem a exigência do II, IPI, Cofins, PIS, Cofins-importação, PIS-importação e do AFRMM (art. 8º). A importação ou aquisição no mercado interno de serviços por pessoas beneficiárias também têm suas alíquotas reduzidas a zero (artigo 9º).
No âmbito estadual, já se tem a previsão autorizativa do Convênio Confaz ICMS no 99/1998 para que os Estados possam isentar do ICMS as saídas internas destinadas às empresas beneficiárias do regime da ZPE, assim como na importação e na prestação do serviços de transporte entre a sede na ZPE e os locais de embarque e de desembarque de mercadorias.
Com a regulação das ZPE de serviços, é importante que o mesmo alinhamento se dê quanto ISSQN sobre serviços prestados a empresas beneficiárias, seja na sua importação ou aquisição no mercado interno. A ausência da harmonização entre o tratamento federal e dos demais entes causa insegurança jurídica e tratamentos inadequados, por vezes mesmo ilegais.
Por fim, em relação a IN RFB no 2.269/2025, qualquer desobediência impõe a cobrança dos tributos desonerados com acréscimos legais e a desabilitação da empresa do regime, com imposição de dois anos de suspensão para requerer nova habilitação (artigo 11).
MP no 1.307/2025
Em 21 de julho foi publicada a Medida Provisória no 1.307/2025 incluindo dispositivos da Lei no 11.508/2007. Duas alterações substancias: (i) obrigação de que toda a energia elétrica utilizada por empresa instaladas em ZPE seja proveniente de usinas de fontes renováveis que não tenham entrado em operação até a data da publicação da MP (artigo 3º, §1º, VI); (ii) a inclusão no artigo 21-A das empresas prestadoras de serviços vinculados à prestação de serviços ao mercado externo como beneficiárias do regime da ZPE.
A inclusão da obrigação de utilização de energia renovável, o que deve constar do projeto e será levado em consideração para sua aprovação, não traz a definição de fontes renováveis, o que pode trazer insegurança e não dificultar os novos projetos. É importante que após a aprovação da MP sobrevenha uma regulamentação clara sobre essa diretriz, definindo que as fontes renováveis incluem, por exemplo, usinas eólica, solares, projetos hídricos e termelétricos. A obrigação não se aplica a alguns casos, entre eles, aos projetos aprovados antes da publicação da MP (artigo 3º, §8º).
A alteração do artigo 21-A que era exclusivo para prestadores de serviços vinculados à industrialização de mercadorias destinadas à exportação, ampliou a aplicação dos benefícios às empresas que prestem serviços relacionados ao serviço exportado, permitindo-lhes se instalarem em ZPE e usufruírem dos incentivos. Essa mudança permite a aprovação de projetos de data centers, por exemplo, devendo as empresas comprovarem seu vínculo contratual.
Os benefícios são aplicáveis durante a vigência do contrato com a empresa exportadora. Ainda pairam dúvidas, que precisam ser esclarecidas, sobre quais os serviços se incluem como “vinculados à prestação de serviços ao mercado externo”, considerando as disposições dos §§ 2º e 3º do artigo 21-A. O primeiro traz uma lista exemplificativa de serviços e o segundo determina que o CZPE fixará os serviços efetivamente elegíveis do parágrafo anterior de acordo com a NBS.
ZPE: reforma tributária e LGCOMEX
A Lei Complementar no 214/2025, em seus artigos 99 a 104, recepciona o regime de incentivos e benefícios da ZPE, promovendo as adequações necessárias com a entrada em vigor e a cobrança da CBS e do IBS em relação às mercadorias. Os artigos 99 e 100 resguardam a suspensão dos tributos nas importações e aquisições no mercado interno, de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos, assim como de matérias-primas e insumos utilizados na fabricação dos produtos por empresas beneficiárias da ZPE. A destinação da produção ao mercado interno atrai a cobrança dos tributos suspensos com os acréscimos de mora desde a ocorrência do seu fato gerador.
Com a previsão do IBS, substituindo o ICMS e o ISSQN, nesses termos, harmoniza-se e se assegura previsibilidade quanto aos tributos de competência estadual e municipal. Tais disposições estão em sintonia com as revogações dos artigos 6-A e 6-B da Lei no 11.508/2007, pelas determinações do art. 542, XXXIX, da LC no 214/2025.
É de se observar que, não obstante as regras dos artigos 79 e 80 da LC no 214/2025, as disposições específicas da ZPE (artigos 99 a 104) nada mencionam sobre os serviços a serem exportados, nem sobre a importação ou aquisição no mercado interno, de equipamentos para o seu ativo, tampouco quanto a importação, ou aquisição de serviços no mercado interno, para prestação dos serviços a serem exportados.
Indevidamente, outrossim, revoga-se a partir de 2027, o artigo 6-D da Lei das ZPE, previsão que hoje afasta a cobrança de Cofins e PIS na importação de serviços e na sua aquisição no mercado interno pelas empresas de serviços beneficiárias da ZPE. É um ponto que precisará de adequação na legislação da CBS e do IBS para se assegurar os benefícios da ZPE de serviços.
A Lei Geral de Comércio Exterior, relevante Projeto de Lei no 4423/2024, cuja aprovação se aguarda com grande expectativa, também traz normas sobre a ZPE em seus artigos 162 a 164, reforçando as normas vigentes.
Convite
Em tempos sombrios e desafiadores como esses em que vivemos, nos quais os presidentes, com seu jeito peculiar de agir, afetam milhares de pessoas e empresas, porque se alfinetam, provocam, dizem mais do que deveriam uns sobre os outros, as novidades legislativas relacionadas às zonas de processamento de exportação são alvissareiras e não deixam de estimular os estudos e análises, para que novos investimentos sejam realizados e centros de excelência sejam desenvolvidos.
Aproveitando também o ensejo, convidamos os leitores da coluna a ficarem atentos às agendas de importantes eventos aduaneiros que serão realizados no segundo semestre [7], dentre eles, na qualidade de anfitriões, convidamos para participarem do Congresso Internacional de Estudos Aduaneiros da Abead, nos dias 8, 9 e 10 de outubro, em Belo Horizonte.
Além dos eventos nacionais, com mais de 300 inscritos, ocorrerá na Cidade do Porto, Portugal, nos dias 03 a 05/09, a XVII Reunião Mundial de Direito Aduaneiro, organizada pela International Customs Law Academy. Se os desafios são grandes, nada melhor do que a reunião de experts e estudiosos para debater ideias e discutir possíveis soluções. Nossas melhores saudações aduaneiras.
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[1] Disponível em: link . Acesso em 24/07/2025.
[2] Disponível em: link . Acesso em 24/07/2025.
[3] Disponível em: link . Acesso em 24/07/2025.
[4] Recomendamos a leitura dos ótimos textos já publicados na Coluna sobre as ZPE, pelo colega Leonardo Branco, em 12/2021, link, em 11/2024, link , esse em coautoria com Guilherme Froner, e, ainda, o artigo publicado em 10/2024, de autoria de Anna Dolores e André Chave, link .
[5] Trecho do voto do Min. Nunes Marques: “Mundo afora, as ZPEs têm se revelado importante mecanismo de política econômica que visa criar um ambiente de negócios mais propício aos investimentos, além de estimular as transações com o mercado exterior, garantindo a competitividade da produção. Tradicionalmente, diversos países adotam esse instrumento de política aduaneira, como os Estados Unidos da América (Foreign Trade Zones), a China, a Coreia do Sul e o Vietnã.” Disponível em: link. Acesso em 24/07/2025
[6] “Novo foco recente de gestão e de visão estratégica sobre o regime de ZPE que tem trazido resultados inéditos na história da política, em termos de princípios de gestão, visão estratégica, aprovação (e indeferimentos fundamentados) de projetos, foco em resultados e números já alcançados.” Disponível em: link . Acesso em 24/07/2025.
[7] XII Congresso Estadual da Comissão Estadual de Direito Portuário e Marítimo da Seccional da OAB/SC, dias 21 e 22/08, Itajaí/SC; XIII Congresso Nacional de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro, dias 17 a 19/09, Manaus/AM; I Congresso Aduaneiro da 7ª Região Fiscal, dias 17 e 18/09, em Vitória/ES e no Rio de Janeiro/RJ, I Congresso Estadual de Direito Aduaneiro, dias 16 e 17/10, em Florianópolis/SC; Congresso Estadual de Direito Aduaneiro – OAB ES, dias 27 e 28/11, em Vitória/ES.